Um manifesto ao amor pelo teatro de grupo!
O filme "Encontro: Bando de sonhos, unidos, nos céus, sem fronteiras". produzido pela Cia Arte Móvel constitui um manifesto, uma celebração, uma declaração apaixonada do grupo em defesa do amor, da prática teatral em coletividade e da força do fazer teatral em grupo. Ao longo de três décadas, percorrendo o estado de São Paulo, de norte a sul e de leste a oeste, observei – de maneira geral, não é uma regra –, como apontou Lays Ramirez, o quanto o amor caiu em progressivo desuso no fazer teatral em grupo.
A necessidade de se profissionalizar para combater a hegemonia da capital paulista no acesso aos bens culturais, aos equipamentos culturais e aos editais de fomento à cultura, impôs aos grupos teatrais paulistas um endurecimento gradual, levando-os, em alguns casos, a priorizar a técnica em detrimento do amor.
Este é um sintoma. Os grupos do interior foram compelidos a se mostrar resilientes para serem reconhecidos pela capital e pela Secretaria de Estado da Cultura, Economia e Indústria Criativas como profissionais, fortes, competentes e aptos a gerir verbas públicas provenientes de editais. Essa exigência representou um desafio, um golpe.
“Nem a loucura do pó, do tabaco, da maconha e do álcool valem a loucura do ator quando abre-se em flor, sob as luzes do palco”. O filme me lembra diretamente este trecho, que parafraseio, de um poema famoso de Caetano Veloso. A dedicação ao teatro de grupo e o amor por essa forma de produção artística, cultural e, sim, profissional, não podem ser suplantados por nenhum outro tipo de reconhecimento.
A designação "teatro amador", que outrora carregava dignidade e dedicação, hoje soa pejorativa. O teatro amador, na acepção contemporânea, parece implicar em amadorismo banal. O teatro amador é aquele teatro, hoje, considerado um teatro de quem não sabe fazer, um teatro menor e não um teatro de quem ama fazer teatro.
No Brasil, a sobrevivência como artista independente exige, frequentemente, uma segunda profissão. Mesmo atuando profissionalmente, permanecemos, de certa forma, amadores, movidos pelo amor à arte.
A fama, embora possa ser desejada, acarreta custos significativos: assessoria, segurança, blindagem. A liberdade artística se submete às exigências desse reconhecimento. Se isso representa uma limitação, não sei precisar. O teatro de grupo, contudo, é meu refúgio, minha fonte de vitalidade, o que me motiva a cada dia. É a minha saída, é a minha válvula de escape, é o que me mantém de pé, é o que me faz levantar da cama todos os dias, é o que me faz ser – como o filme cita – como Fernão Capelo Gaivota. É o que me faz ser aquela gaivota que levanta a cabeça para voar e aprender mais sobre o voo, e não apenas voar para comer, para me alimentar.
Atualmente, em muitos casos, observa-se o abandono do amor em prol da técnica, na busca pela afirmação como coletivos profissionais diante dos avaliadores da capital, responsáveis pela concessão de recursos. É lamentável.
Eu mesma não havia percebido a profundidade dessa transformação até assistir ao filme. Profundamente emocionada, recordei-me de minhas próprias vivências no teatro de grupo em Americana e dos meus mestres teatrais, que me ensinaram a amar nossa arte. O teatro, para eles, não era um mero trabalho, mas sim uma dedicação, uma religião, um sacerdócio – metáforas empregadas nos anos 90 e hoje consideradas românticas, piegas e obsoletas.
Contudo, a Ciarte Móvel desafia essa tendência. O grupo reafirma, com convicção, o amor ao teatro de grupo e ao teatro em bando. Creio que eles estão corretos. É louvável a coragem e a ousadia do grupo em erguer a bandeira do amor em tempos tão complexos.
Que Dionísio abençoe sua trajetória e derrame seu vinho! Evoé!
Meu amor, respeito e admiração ao grupo,
Juliana Calligaris.