Isadora, Alma em Trânsito: O Corpo como Arquivo de Discurso e Poesia
O espetáculo "Isadora, Alma em Trânsito", do Grupo Lumos de Teatro, é um monólogo potente e corajoso que transcende o simples relato biográfico. É um rito de passagem que coloca no centro do palco uma narrativa urgente: a de uma mulher trans que ousa existir, resistir e se contar por completo. A própria sinopse já estabelece a profundidade da jornada: "Ela não nasceu Isadora, ela se tornou. E tornar-se, para ela, nunca foi leve".
Este solo, íntimo e emocionante, não é sobre transição; é sobre ser inteira. A atriz Fafatta Gianfratti, artista trans com uma sólida trajetória na arte e na educação, abre as gavetas da própria história pela via performativa de histórias de autoficção que reúne tantas outras biografias, despejando no palco as dores, violências, descobertas e belezas de existir fora das molduras impostas.
A linguagem narrativa e dramática, com direção e dramaturgia de Lucas Vezzani , utiliza o corpo da atriz como território de discurso e poesia. As cicatrizes e os sonhos se manifestam enquanto ela dança; as memórias e o futuro se tornam visíveis enquanto ela resiste. Isadora nos leva por um mosaico de infância marcada por silêncios, adolescência de descobertas dolorosas, os embates familiares, a violência cotidiana e os potentes encontros com o amor, a arte e a liberdade.
A semiótica da presença é o ponto crucial. A narrativa urgente não apresenta Isadora como um símbolo, mas como um ser humano, exigindo do público uma escuta sensível. O humor afiado, os silêncios que gritam e os gestos que curam são as tecnologias cênicas para abordar temas de dignidade, pertencimento e amor-próprio. O espetáculo é um convite ao olhar: um olhar sem julgamento, sem pressa, sem rótulo. É a presença de quem, mesmo ferida, escolhe amar o que vê no espelho.
O Grupo Lumos de Teatro, sediado em Santa Bárbara D'Oeste , reafirma seu compromisso com a pluralidade dos corpos e a potência transformadora do teatro.
"Isadora, Alma em Trânsito" é um farol, um pilar das chamas, que lança luz sobre afetos profundos, provando que a arte pode ser a ferramenta mais poderosa para enxergar o que há de mais humano por trás das margens que a sociedade insiste em manter. Provando que o teatro é o lugar, por excelência, de reparação histórica e de reparação de injustiças.
Minha profunda admiração à atriz Fafatta Gianfratti e ao Grupo Lumos por este trabalho essencial, necessário e eterno!
Com respeito e admiração,
Juliana Calligaris