A La Cascata Cia Cômica nos presenteia com "La MAMMA", uma comédia de rua e palco que, sob a pele do riso, esconde as artimanhas da sobrevivência e a força atávica dos laços familiares. O espetáculo, que conta a história de uma família de palhaços trambiqueiros em uma saga de resgate, é um mergulho na arte da palhaçaria clássica e circo-teatro melodramático, onde o infortúnio se converte em virtuose cômica.
A sinopse, que nos lança diretamente no drama do sequestro do caçula, Barberinha, é o motor da ação, mas o verdadeiro espetáculo reside na construção semiótica dessa família. O que significa uma família de "trambiqueiros"? No universo do palhaço, isso não é um julgamento moral, mas a exposição da condição humana em sua essência mais nua: a capacidade de improvisar, de subverter a ordem e de usar a inteligência marginal para superar o caos e a dor.
A linguagem da comédia de rua ja é um desafio em si, pois exige dos artistas uma entrega total ao espaço aberto, à imprevisibilidade da praça e ao engajamento direto com o público. No caso desta segunda apresentação – com teor de estreia – na Mostra, o espetáculo foi em palco de caixa preta, utilizando, pela primeira vez, iluminação! O grupo se desdobrou para brilhar entre as muitas adaptações necessárias e dramaturgias inéditas de cena! O palhaço, aqui, é o elo, o mediador entre a ficção e a realidade, com a tarefa de transformar a tensão da narrativa em cumplicidade imediata. O projeto do espetáculo, embora não seja o foco desta análise, sugere uma energia pulsante, que é vital para o gênero.
A obra "La MAMMA" explora o arquétipo da matriarca, a figura central que, mesmo em meio à tramoia, é o eixo emocional e moral da família. O esforço desmedido desses palhaços para reaver o caçula é um brado de amor disfarçado de farsa, que nos lembra que os laços de sangue (ou de picadeiro) transcendem qualquer adversidade.
O espetáculo tem a duração de 50 minutos, um tempo que exige ritmo e precisão na comédia. A La Cascata Cia Cômica, sediada em São José dos Campos, demonstra, através de sua trajetória, um comprometimento com o fazer circense e teatral, levando a arte para a rua – e, agora, para o palco – e tornando-a acessível.
Em "La MAMMA", o riso não é apenas um fim; é uma tecnologia de resgate e de sobrevivência. A saga dos trambiqueiros é a nossa própria saga, onde, mesmo nas situações mais absurdas, a família (em seu sentido mais amplo) é a nossa última e mais poderosa aposta.
Minha admiração e meu afeto à La Cascata Cia Cômica por nos fazer rir e, ao mesmo tempo, refletir sobre o que realmente importa.
Um abraço de boa vida,
Juliana Calligaris.